sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Música: 20 Anos sem Raul Seixas

A gente não nasceu há dez mil anos atrás. Se tivéssemos nascido, talvez teríamos sido malucos belezas ou simples caretas. Talvez tivéssemos visto aquele Phono 73, onde ele desenhou o símbolo na barriga daquilo que viria a ser a chave da tal Sociedade Alternativa. E talvez teríamos até acreditado que John Lennon realmente se interessou pela comunidade, supostamente reconhecida num seminário internacional de sociedades secretas. Talvez teríamos visto, apenas quatro meses antes da partida, o barbudo Raul cantando, pela primeira e única vez, com o barbudo Paulo Coelho, no palco. E a música, ironicamente ou propositalmente, era o hino que já causava arrepios no letrista melhor amigo de Seixas: Sociedade Alternativa.

Raul sempre seguiu sua própria religião e modo de vida. "Já fui Pantera, já fui hippie, beatnik, tinha o símbolo da paz pendurado no pescoço. Porque nego disse a mim que era o caminho da salvação. Já fui católico, budista, protestante, tenho livros na estante, todos tem explicação" (É Fim de Mês). Ele falava o que pensava, fazia o que queria, e sabia que os assuntos mais profundos podem ser entendidos na simplicidade de sua explicação.

Foi assim que o romântico careta, participante do fã-clube do Elvis, casado três vezes e seguidor de seus próprios princípios conquistou o espaço que, sem humildade, já sonhava. O magrelo barbudo já apanhou por ser impostor dele mesmo, mas antes uma "metamorfose ambulante, do que ter a velha opinião formada sobre tudo". Foi assim que ele fez diferença. Com diversas parcerias, desde o amigo Jerry Adriani ao conterrâneo Marcelo Nova, já foi tachado de brega, criticado por uns, adorado por outros. Com o último, ele produziu seu também último trabalho, "A Panela do Diabo", lançado após sua morte.

Teríamos visto ele comendo lixo com um palhaço em Nova York, pelo simples fato de o artista ter oferecido (segundo suas próprias histórias fantásticas). A gente teria acreditado no encontro mágico entre ele e Paulo Coelho: correndo atrás de um disco voador, ao invés do (real) careta encontro na redação de uma revista alternativa e decadente. Raul tinha um forte inimigo: sempre foi a mosca na sopa no dicionário da censura, mas driblou até onde pode e como ninguém as próprias letras. Palavras como "gente", "povo", "universidade", "aranha" já não podiam ser mais usadas. "Eu fui o precursor da aranha, depois de Deus".

"Eu sei que determinada rua que eu já passei não tornará a ouvir o som dos meus passos" (Canto para Minha Morte). Mas não é bem assim. Os passos de Raul, nunca seguidos com o mesmo foco, permanecem na memória brasileira, que só valoriza seus ídolos depois que eles se vão. O bom moço que passou em diversas faculdades e teve a cara de chegar para a própria mãe e dizer o quanto "é fácil ser medíocre" se foi, há 20 anos.

Foi pancreatite, sozinho, em seu quarto de hotel. Mas a gente sabe que ele não se acabou. Foi uma escolha: "faz o que tu queres, pois é tudo da lei". Ele escolheu e sofreu as consequências disso, mas sabia que o fim estava chegando. Ele morreu para deixar um legado sem igual na música brasileira, com seu rock misturado com baião e maxixe. Quem diria que um dos maiores roqueiros do país viria da terra do axé?! "Hoje em dia, eu não falo muito, eu penso". Isso foi o que ele disse, já gordo, em sua última entrevista antes de partir dessa.

"A morte, surda, caminha ao meu lado. E eu não sei em que esquina ela vai me beijar" (Canto para Minha Morte). Mas não importa. A gente sabe que "todo homem e toda mulher é uma estrela". Obrigado Raul!

*Quem escreveu: Luiz Fernando Tavares, 19 anos, e Carol Tavares, 23, são irmãos e fãs de um trabalho que morreu antes que eles aprendessem a falar a palavra "aranha", mas permanece vivo na memória.

por Carol Tavares

Do http://mtv.uol.com.br/

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